quinta-feira, 24 de junho de 2010

A Lágrima

Manhã de Junho ardente. Uma encosta escavada,
Sêca, deserta e nua, à beira d'uma estrada.

Terra ingrata, onde a urze a custo desabrocha,
Bebendo o sol, comendo o pó, mordendo a rocha.

Sôbre uma folha hostil duma figueira brava,
Mendiga que se nutre a pedregulho e lava,

A aurora desprendeu, compassiva e divina,
Uma lágrima etérea, enorme e cristalina.

Lágrima tão ideal, tão límpida, que ao vê-la,
De perto era um diamante e de longe uma estrêla.

Passa um rei com o seu cortejo de espavento,
Elmos, lanças, clarins, trinta pendões ao vento.

- "No meu diadema, disse o rei, quedando a olhar,
Há safiras sem conta e brilhantes sem par,

"Há rubins orientais, sangrentos e doirados,
Como beijos d'amor, a arder, cristalizados.

"Há pérolas que são gotas de mágua imensa,
Que a lua chora e verte, e o mar gela e condensa.

"Pois, brilhantes, rubins e pérolas de Ofir,
Tudo isso eu dou, e vem, ó lágrima, fulgir

"Nesta c'roa orgulhosa, olímpica, suprema,
Vendo o Globo a teus pés do alto do teu diadema!"

E a lágrima deleste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.

- - -

Couraçado de ferro, épico e deslumbrante,
Passa no seu ginete um cavaleiro andante.

E o cavaleiro diz à lágrima irisada:
"Vem brilhar, por Jesus, na cruz da minha espada!

"Far-te hei relampejar, de vitória em vitória,
Na Terra Santa, à luz da Fé, ao sol da Glória!

"E à volta há-de guardar-te a minha noiva, ó astro,
Em seu colo auroreal de rosa e de alabastro.

"E assim alumiarás com teu vivo esplendor
Mil combates de heróis e mil sonhos d'amor!"

E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu e quedou silenciosa.

- - -

Montado numa mula escura, de caminho,
Passa um velho judeu, avarento e mesquinho.

Mulas de carga atrás levavam-lhe o tesoiro:
Grandes arcas de cedro, abarrotadas d'oiro.

E o velhinho andrajoso e magro como um junco,
O crânio calvo, o olhar febril, o bico adunco,

Vendo a estrêla, exclamou: "Oh Deus, que maravilha!
Como ela resplandece, e tremeluz, e brilha!

"Com meu oiro em montão podiam-se comprar
Os impérios dos reis e os navios do mar,

"E por esse diamante esplêndido trocara
Todo o meu oiro imenso a minha mão avara!"

E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.

- - -

Debaixo da figueira, então, um cardo agreste,
Já ressequido, disse à lágrima celeste:

"A terra onde o lilaz e a balsamina medra
Para mim teve sempre um coração de pedra.

"Se a queixar-me, ergo ao céu os braços por acaso,
O céu manda-me em paga o fogo em que me abraso.

"Nunca junto de mim, ulcerado de espinhos,
Ouvi trinar, gorgear a música dos ninhos.

"Nunca junto de mim ranchos de namoradas
Debandaram, cantando, em noites estreladas...

"Voa a ave no azul e passa longe o amor,
Porque ai! Nunca dei sombra e nunca tive flor!...

"Ó lágrima de Deus, ó astro, ó gota d'água,
Cai na desolação desta infinita mágoa!"

E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Tremeu, tremeu, tremeu... e caíu silenciosa!...

- - -

E algum tempo depois o triste cardo exangue,
Reverdecendo, dava uma flor côr de sangue,

Dum roxo macerado, e dorido, e desfeito,
Como as chagas que tem Nosso Senhor no peito...

E ao cálix virginal da pobre flor vermelha
Ia buscar, zumbindo, o mel doirado a abelha!...


Guerra Junqueiro
25 de Março de 1888

terça-feira, 8 de junho de 2010

Miga

Olá Amiga!
Então como foi o teu despertar? Como estás? Como te sentes?
Não pergunto como correu tudo pois tenho a certeza de que está tudo bem. Como já tive a oportunidade de dizer, e apesar de te "conhecer" à bastante pouco tempo, és uma das pessoas mais cheia de qualidades que eu alguma vez tive o orgulho de conhecer. Consegues ser uma luz na vida de muita e boa gente e nem sempre és reconhecida por isso, mas não é por isso que te deixas abater. Aí vemos a tua maior qualidade. Ajudas todos sem olhar a elogios e sem esperares um único agradecimento. De tanto dares aos outros, esqueces-te de ti, "Mas alimentas-te a dar o que precisas aos outros de forma a alimentares-te também". Tens o dom de ouvir, de guardar, de cuidar. E são essas pessoas como tu que guardam todas essas coisas e que as escondem atrás dum sorriso enganador, mas que o mostram através do olhar a quem o conseguir trespassar. Disse outrora um grande homem que quem encontra um amigo encontra um grande tesouro... Nada mais tenho a dizer :)
Beijos

PS: "Gosto muito de ti" ;P

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Cabeça erguida

Perto de Tóquio vivia um grande samurai, já idoso, que agora se dedicava a ensinar a arte da meditação Zen aos jovens.

Apesar da sua idade, corria a lenda de que era ainda capaz de derrotar qualquer adversário.

Certa tarde, um guerreiro - conhecido pela sua total falta de escrúpulos - apareceu por ali.

Era famoso por utilizar a técnica da provocação: esperava que o seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de uma inteligência privilegiada para reparar os erros cometidos, contra-atacava com velocidade fulminante.

O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta.

Conhecendo a reputação do samurai, estava ali para derrotá-lo e aumentar a sua fama.

Todos os estudantes se manifestaram contra a ideia, mas o velho samurai aceitou o desafio.

Foram todos para a praça da cidade e o jovem começou a insultar o velho mestre. Chutou algumas pedras na sua direcção, gritou insultos conhecidos, ofendendo, inclusive, os seus ancestrais.

Durante horas, fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível.

No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se.

Desapontados pelo facto do mestre aceitar tantos insultos e provocações, os alunos perguntaram:

- Como é que o senhor pode suportar tanta indignidade? Por que não usou a sua espada, mesmo sabendo que podia perder a luta, ao invés de mostrar-se cobarde diante de todos nós?

- Se alguém chega ao pé de ti com um presente e tu não o aceitas, a quem pertence o presente? - perguntou o samurai.

- A quem tentou entregá-lo, respondeu um dos discípulos.

- O mesmo vale para a inveja, a cobiça e os insultos, disse o mestre.

- Quando não são aceites, continuam a pertencer a quem os carrega consigo.


A nossa paz interior depende exclusivamente de nós. As outras pessoas só nos podem tirar a calma, se nós o permitirmos...
Aqui fica esta história para todos aqueles que permanecem de cabeça erguida apesar de todas as ofensas e adversidades da vida, e que com uma força incrível não se deixam abater. Tenho um orgulho enorme em ter-vos na minha vida.

"Gosto muito de Ti" :P